O CRIME DE TRAIÇÃO À PÁTRIA:

O CRIME DE TRAIÇÃO À PÁTRIA:

O Art.º-141.º Do Código Penal é simples e claro: "Será condenado na pena de prisão maior de vinte a vinte e quatro anos, todo o português que: 1.º intentar, por qualquer meio violento ou fraudulento ou com auxílio estrangeiro, separar da mãe-Pátria ou entregar a país estrangeiro todo ou parte do território português, ou por qualquer desses meios ofender ou puser em perigo a independência do País. 2.º Tomar armas, debaixo das bandeiras de uma nação estrangeira, contra a Pátria". Simples e claro como o juízo do nosso povo, quanto à forma como a Pátria foi mutilada.

¡ DA TRAIÇÃO, À ANGÚSTIA DA CHEGADA !


― Vivem-se vidas inteiras sem conhecer o desespero:
Mas esse sentimento pungente, amargo, rude, foi partilhado em 1975 por centenas de milhares de portugueses, em Angola sobretudo;
Centenas de milhares em Moçambique, em Timor, na Guiné, ( até, em Cabo Verde, e, em São Tomé e Príncipe).
Cidades inteiras de pessoas felizes, prósperas, esperançosas, com uma absurda confiança no futuro, viram-se de repente sem vida social, sem emprego, sem casa, com o dinheiro congelado nos bancos, e um terrível sentimento de perigo em relação às suas vidas e às da sua família.
O desespero tem espinhos, alguns aguçados, e os seus bicos empurram as pessoas para o abismo.
No início de Maio de 1975, em Luanda, um grupo de 2.500 residentes em Angola anunciou que não conseguindo obter passagens aéreas ou marítimas para Lisboa, tencionava fazer a viagem até Portugal por via rodoviária, atravessando oito mil quilómetros de países africanos no sentido sul-norte ao longo de 90 dias. A caravana motorizada esteve organizada para ser constituída por 200 camiões e 500 automóveis particulares, sendo os suprimentos destinados a 15 camiões-frigoríficos com capacidade para transportar 30 toneladas de alimentos cada um.
Alguns veículos foram transformados em oficinas móveis para fazer face à inclemência do trajecto e um dos organizadores, Guilherme dos Santos, fez contactos formais com a Cruz Vermelha Internacional e com a Comissão das Nações Unidas para os Refugiados para, na medida do possível, ajudarem essa travessia das selvas, savanas e desertos do continente africano. Acabaram por não avançar para esse louco caminho para a morte.
Mais a sul, porém, houve traineiras a largar de Porto Alexandre e de Luanda cheias de gente, em direcção a Portugal-Algarve e Madeira onde chegaram, com muita sorte, sem males de maior. Outros barcos de pesca artesanais cruzaram o Atlântico para despejarem no Brasil "os refuziados" que não vieram para Portugal. De entre estes barcos de pesca artesanais alguns acabariam por afundaram no Oceano. E quase todos os que puderam escaparam por terra em direcção à África do Sul e a outros países limítrofes, em alguns casos viajando com máquinas de obras públicas que iam aplainando os acidentes do caminho.

O drama, o luto, o caos, a confusão, dominou no primeiro tempo da chegada a Lisboa a cabeça das pessoas. Mais do que a revolta, as pessoas tentavam perceber os acontecimentos, e como é que se poderiam instalar em Portugal. A fase da revolta veio depois. Na quantidade tremenda de gente que desaguou em Portugal aconteceu de tudo. Uma pequena minoria tinha acautelado o seu património e preparado o seu regresso a Portugal. Outra minoria - precisamente aquela que mais tinha a perder com a "independência" de Angola uma vez que perdera os laços com a metrópole - e nunca acreditou no pior desfecho, não preparou coisa nenhuma, e veio sem nada, absolutamente nada, para além da roupa que trouxe no corpo e muita desta fornecida pela Cruz Vermelha, pelas fugas em pijamas e descalços das suas casas em plena noite quando dormiam. Algumas centenas conseguiram trazer alguma coisa, pouca, mas suficiente para o espectáculo dos caixotes que inundou os cais e o aeroporto de Lisboa.
Aos números soma-se a crónica dos ressentimentos sobre a situação, a confusão baralha-se; calam-se os dramas, a angústia, sofresse e chora-se em silêncio. E faz-se o luto pelos familiares ou pelos amigos assassinados.


O ódio é mais espesso que o sangue, mas há momentos em que nem isso adianta...
É QUANDO PORTUGAL E TRAIÇÃO JÁ NÃO SE DISTINGUEM!




Rogéria Gillemans


¡ O CANTO A ANGOLA !
















                           

Sentindo o cálido vento...
Levantei meu rostro ao céu,
elevando minha alma...
Assim como meu pensamento!
Só necessitava meu alento...
Para sentir em meus pulmões
o brilho do firmamento!
Recolhi em minhas mãos a terra...
A mesma que pisara desde a minha infância!...
Não há falcão solitário!

Primeiro foi o alarde da vergonha,
E o tempo foi transformado num covil de ladrões!
Os ares, não são bons ares...
E a vida passou a ser p’ra eles um alvo de ocasiões!
Ainda algum "desses" perguntará:
 "Porque cantam eles assim?"

 - Cantamos assim,
 porque a crueldade teve nome de traição!!!
Com nome de trágico destino! -
Cantamos assim pela infância,
e pelo tudo que era nosso!!!
Pelos afectos roubados!
E da nossa terra destroncados!
Pelos nossos povos massacrados!!!

Porque cantamos assim!?
- Se nós e os nossos ficamos sem abraço!!!
E estão morrendo de fome, de tristeza e de cansaço...
Porque o coração do homem se fez em caco
antes mesmo de explodir a vergonha!!!

Porque cantamos assim!?
- Se estamos longe como um horizonte!...
E lá!... ficaram as árvores, o sol, o céu,
e a alma em cada monte!
Se cada noite é sempre alguma ausência ...
E cada despertar um desencontro!

- Cantamos assim, porque o sol nos reconhece!
E lá!... nesse talo, e em fruto de árvore definhada,
a cada pergunta tem a sua resposta!!!
- E porque, os sobreviventes e os nossos mortos
querem que cantemos assim!!!
- Cantamos assim porque o grito só!... Já não basta!!!
E já não basta o pranto, nem a dor, e nem a raiva!!!

- Cantamos assim, porque o rio está soando...
E quando soa o rio as suas águas agitam-se em revoltas,
E soa o cântico de musas em trovas soltas!
Cantamos assim porque chove sobre o sulco...
E porque o campo cheira a primavera!
E traídos!!!... Somos os militantes desta vida!...
E porque não podemos!!! Nem queremos!!!
Deixar que a canção se transforme em cinza!



Poema de, Rogéria Gillemans.

¡Registado no Ministério da cultura - Inspecção Geral das Actividades Culturais, I.G.A.C. – Processo N°3089/2009!


¡ TRIBUTO A ANTÓNIO MANUEL RODRIGUES !




Natural de Gebelim-Alfândega da Fé, Trás-os-Montes-, nasceu a 4 de Novembro de 1939. 
No ano 1952, com apenas 13 anos de idade, António Manuel Rodrigues foi para Angola, sob a responsabilidade e protecção do seu padrinho de Baptismo, Francisco da Assunção Marralheiro (quando este se encontrava de visita à terra natal nesse ano 1952), residente em Luanda desde 1940, e proprietário dos conhecidos "Armazéns Marralheiro LDA" no Bairro de São Paulo, Luanda. Mais tarde deixou a residência dos seus padrinhos, passando a residir com a sua irmã mais velha e cunhado chegados a Luanda, moradores na Rua de Fernão de Sousa na Vila Clotilde/Vila Alice. 
No ano 1960 fez a recruta em Luanda, cumprindo Serviço Militar como 1º Cabo Rádio-Telegrafista do 1º Esquadrão de Reconhecimento dos Dragões de Luanda, criado no ano 1958, sob o comando de José Maria de Mendonça Júnior, fundador e 1º Comandante dos Dragões, na época Capitão da Arma de Cavalaria. 
António Manuel Rodrigues a 4 de Fevereiro de 1961 participou na luta contra o terrorismo desencadeado em Luanda. A Companhia onde incorporava foi das primeiras a ir para as fazendas e vilas do norte de Angola à causa do terrorismo internacional a 15/16 de Março de 1961. 

Participou na recuperação de: Quipedro, Quibaxe, Quicabo, Porto-Quipiri, Quitexe, Fazenda Maria Fernanda, Tentativa, Ambriz, Bela-Vista, Beira-Baixa, Quimbele, Quilombo, Quifangongo, Quibala, Cavunga,Zala, Zalala, Quimbumbe, Catende, Funda, Úcua, Quibaba "Operação Pedra-Verde", Nambuangongo "Operação Viriato". E em muitas outras zonas: Fazendas, povoações e vilas. Seguindo em direcção a Nambuangongo em "Piri-Dembos" um acto de heroicidade, destreza e abnegação pela sua própria vida levaria-o a distinção militar; "A GRANADA".

 António Manuel Rodrigues condecorado por esse acto de altruísmo e heroicidade, com uma brilhante Caderneta Militar, uma das Cadernetas Militares com mais louvores do Exército Português, passou à disponibilidade civil no ano 1963, passando a trabalhar na maior Empresa de Import/Export de Angola "Armazéns Catonho-Tonho" da qual anos mais tarde passaria a sócio.

Respeitado, estimado e amado por todos aqueles que com ele privavam, trabalhavam, ou simplesmente o conheciam: europeus, africanos e euro-africanos.
Desde a sua adolescência, independente de raças ou credos faziam parte do seu grupo de amigos ou vizinhos personagens conhecidas em Luanda, entre outros, Henrique Alberto Teles Carreira, "Iko Carreira", um amigo desde sempre que rendia homenagem a António Manuel Rodrigues pela sua actuação ao serviço da Pátria e do bem-comum do povo de Portugal, (uma vez que também ele tinha dado a sua prestação para com a Pátria, como piloto da Força Aérea Portuguesa, pilotando um dos aviões que sobrevoou a Baixa do Cassange a 4 de Janeiro de 1960, passando em 1975 ao serviço do MPLA como Ministro da Defesa de Angola), envolvendo-o sempre com o seu abraço caloroso até há sua saída de Angola a 30 de Outubro de 1975.




¡A GRANADA!
"Naquela noite de Agosto, aquele punhado de homens, isolado nos confins dos Dembos, não conseguia descansar. O cacimbo acumulava-se sobre os panos de tenda, originando poças de água que, a pouco e pouco, impregnavam o tecido e iam, gota a gota, caindo sobre os rostos crispados dos soldados.
Corpos suados e doridos, capacetes de aço na cabeça, correias de cabedal segurando as granadas, armas cruzadas sobre o peito, os homens, deitados de costas, tentavam a todo o custo repousar naqueles curtos instantes. Era necessário recuperar as forças exaustas por tantos dias de marchas intermináveis, os nervos abalados pelas emboscadas, os olhos cegos pelo pó das picadas, as mãos ensanguentadas dos milhares de troncos de árvores removidos.
As sentinelas, dobradas, vigiavam intensamente os locais onde tinham sido colocadas as armadilhas improvisadas. Os olhos cansados semicerravam-se num esforço titânico de luta contra o sono, a fadiga, a ansiedade, procurando varar a escuridão.
Aquele punhado de homens, isolado no meio das montanhas, rodeado de matas misteriosas, tinha consciência da importância e perigo da sua missão. Todos eles, desde o mais simples soldado ao jovem comandante da força.
* p.103

Sabiam que só com eles tinham de contar, pois, por muitos quilómetros fora, nada havia para além das matas onde se escondia o traiçoeiro inimigo.
As vidas que outrora ali tinham palpitado, há semanas haviam deixado de trabalhar aquela terra, de a cultivar, de a regar com o seu suor. Após a grande matança de Março, depois de o sangue daqueles inocentes ter empapado aquela fértil terra angolana, só ficara o vazio: casas destruídas, fazendas pilhadas, café abandonado...
Durante cerca de quatro meses a onda de barbárie assolava a região. Agora chegava a contramaré: as vagas da civilização lançavam-se ao assalto e eles aí vinham na crista da frente.
Após o Quanza Sul era a vez dos Dembos. E bem na frente marchava a juventude. Ela era o fiel baluarte das glórias do passado, o legítimo representante da raça portuguesa naquelas terras africanas. Era a força, o ânimo, a coragem, o espírito de sacrifício que estavam presentes naqueles jovens de vinte e poucos anos. A geração dos anos sessenta iria mostrar ao mundo inteiro e ao seu próprio país que a juventude não é só irreverente e insensata.

Cada um daqueles homens sabia o que valia naquele momento. Sentia na sua própria carne o peso das responsabilidades. Eram milhares de vidas que dependiam da sua acção. Mais do que isso, talvez era o próprio futuro de uma Nação que estava em jogo.
Há muito que tinham deixado de se preocupar consigo próprios. Havia ali quem não pudera enterrar os corpos retalhados de seus pais e irmãos, quem vira arder o esforço de longos anos do seu próprio trabalho em continuação de várias gerações.
Nada possuíam de momento. Apenas uma farda. Um uniforme roto, gasto na dura vida de campanha, umas botas esburacadas por longos quilómetros percorridos e uma velha espingarda de repetição.
* p.104

Naquela hora, até as munições escasseavam. Eles sabiam-no.
Não se preocupavam por lhes faltar a estafada lata do atum, nem a enjoativa bolacha. Com as preocupações e o esgotamento, a fome já não incomodava.
Aliás, ainda ontem tinham apanhado uns peixes no rio. Assados com jindungo, bem bom! Mesmo sem sal nem pão. Houvesse granadas que peixe não faltava. O pior era quando aquelas tinham que ser racionadas e as balas contadas. Mais que na Pátria que defendiam, mais que na família em que viviam, era nas munições para as suas armas que eles agora pensavam. Essa juventude amadurecera bruscamente. As circunstâncias tinham-lhes pedido muito, e eles não se fizeram rogados.

O Alexandre integrara-se bem no seu papel de guia. Jurara que havia de conduzir os seus camaradas a bom termo e não descansaria enquanto não o conseguisse. Mesmo que caísse para o lado quando atingisse o objectivo. Mesmo que mais tarde não cumprissem as promessas de recompensa, não lhe dessem medalhas nem louros. Ele, porêm, é que não deixaria de cumprir a sua missão, custasse o que custasse.
O Pereira e o Baptista também em nada pareciam diminuídos por terem arcado com responsabilidades de comando para as quais não tinham sido preparados. O Brito não havia precisado que alguém lhe recomendasse que desempenhasse funções para além das suas. O Agostinho, mesmo depois de ferido, também não permitira que ocupassem o seu ingrato lugar, exposto francamente aos tiros das emboscadas.

Enfim, eram todos eles que se tinham agigantado!
Mas nessa noite coube a vez ao Rodrigues de dar extraordinária prova de sangue-frio e consciência do dever.
A pequena unidade isolada estava sendo seguida por diversos grupos inimigos, qual alcateia de lobos cheirando a presa, prontos para o ataque decisivo logo que chegasse a altura propícia.
* p.105

Ao meio da noite o morteiro teve de fazer ouvir a sua voz autoritária. Era o morteiro 81. O seu irmão mais pequeno, o famoso 60, havia de celebrizar-se nas mãos dos hábeis apontadores, através dos trilhos infindáveis das matas angolanas e das bolanhas guineenses, ajudando a resolver problemas graves accionado apenas pelo seu tubo, entalado entre as pernas tensas dos soldados que com as mãos nervosas lhe enfiavam as granadas num ritmo diabólico.
Nessa noite angolana de forte cacimbo, a potente granada de morteiro 81 caiu perto da boca da arma, mesmo junto da tenda onde o comandante da força e os seus fiéis guardiões tentavam dormir, buscando em vão o sono reparador das canseiras, o ópio das preocupações.
A granada caiu com um som cavo e sinistro sobre o pano de tenda ensopado pelo cacimbo.

Momentos dolorosos e longos em que a vida daquele punhado de homens ficou suspensa...
Após um breve instante de hesitação, o cabo Rodrigues, o apontador do morteiro, o responsável pela secção, lança-se sofregamente sobre a granada.
Tudo deixara de existir para aquele jovem. Já não era o moço gaiato que passeava em Luanda, de camisa aberta no peito, o cabelo ondulado numa poupa enfática, o olhar sorrindo para as lindas cabritas que iam passando junto ao "Quintas".
Nem tão-pouco era o cabo aprumado, de sapatos engraxados e bivaque de bicos que, orgulhosa e arrogantemente, se passeava nas tardes de folga domingueiras... Não, nessa altura cruciante, nesse momento em que tudo se jogava, a sua vida e a dos seus camaradas, a sua missão e a daquela unidade, o seu futuro e o do Exército que representava, só uma coisa contava: a granada!
Respiração arquejante mas pulso firme, gestos rápidos mas precisos, ei-lo que toma a granada nos braços.
* p.106

Uma mãe ao agarrar o filho de encontro ao peito, não o faria com mais cuidado que aquele homem ao segurar nas suas mãos exangues a granada que no seu bojo de morte encerrava o destino daquele punhado de militares, isolados no meio das matas dos Dembos, naquela noite de Agosto do inesquecível ano de 1961.
Um balanço de braços, um olhar em redor, e aí vai ela. Um salto para o chão e... Com aquele barulho ensurdecedor misturados com o explosivo que rebentava, as angústias daqueles momentos difíceis, somados a tantos outros vividos naquela longa e árdua operação que há dias massacrava os nervos dos soldados, esvaíam-se bruscamente.
Na escuridão da noite apenas pairava o fumo que lentamente ia desaparecendo, no mesmo ritmo, os nervos tensos dos soldados iam-se afrouxando.
E os olhos do Rodrigues sorriam. O dever fora mais uma vez cumprido. Mesmo que as recompensas prometidas falhassem, que interessava? A consciência do soldado permanecia tranquila. "
* p.107

(Do Livro "AQUELAS LONGAS HORAS". Op. cit., p. 103, a 107 - Lisboa, 1970, de Manuel Barão da Cunha - Coronel de Cavalaria (Dragões).